29 de março de 2016

o tempo é o presente

naquele tempo, que era também um não tempo, eu habitava uma cidade de parques. perto de casa estava o mais bonito de todos. no centro deste parque mais bonito de todos havia um lago. pequeno como são os lagos dos parques das cidades. mesmo naquele tempo.

me sentava num banco na beira daquele lago e passava horas buscando imaginar como seria a minha vida quando fosse o tempo. nestas horas, se depositavam na minha pele pedalinhos cisnes pequenas embarcações.

sobre a minha pele à margem do pequeno lago no centro do parque da minha cidade deslizavam as constelações ainda sem nome e também a sua (ainda não) mão. ali eu não adivinhava filhos nem medos nem paixões.

naquela beira não havia não haveria não houve como saber que há um momento a partir do qual uma criança pode saber mais que um adulto e que esta criança pode ter sido gerada no seu ventre e ser você um adulto que já não sabe. tanto.

olhar o lago com ou sem suas águas era o tempo pleno e oco de tantas tardes. vazias. de menina. o tempo é o único que temos. é o nosso único presente. o tempo é o presente. o que se pode oferecer. eu era menina, olhava o lago. e me dava aquele tempo.

naquele momento de parques cisnes e pedalinho eu não tinha tido tempo (ainda) de saber que o tempo também poderia ser uma ausência, o tempo ausente seria uma solidão sem adjetivos. e que poderia haver uma eclosão de tempos dentro de cada segundo existente.

como uma flor eclode pólen e perfume abelha cor, o tempo presente da flor remete à raiz remete à semente terra húmus matéria morta em decomposição. o tempo que se tem. o tempo se detém na menina à margem do lago do parque daquela cidade.

o tempo este – às vezes tão pequeno: toma. é tudo que tenho. sucata. às vezes um lampejo. outras, um som, vagido, grito quando na beira do grande lago olho o relógio (sou ainda esta menina?) e digo:

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